segunda-feira, 19 de maio de 2014

A Maratona de Santo Antonio de Pádua - Por Iana Knak

E o post de hoje é muito especial, conta uma história linda de superação de amor pela corrida vivida pela Iana. Brasileira guerreira que mora na Itália e correu sua primeira Maratona no dia 27 de Abril.
Vale a pena ler...é inspirador!!!

"Sou nascida e criada no Sul do Brasil, advogada de profissão, amante da culinária, hoje mais dedicada à culinária saudável e, corredora por paixão. Há cinco anos não resido mais no Brasil, em virtude da carreira profissional do meu marido, em 2009 fomos transferidos aos EUA. Já hoje, há quase um ano fomos transferidos de lá para a região de Veneto, Itália, aonde então, residimos.
 
Ao chegar nos EUA tomei um grande choque, acho que por algum tempo, passei por estágio de total “pause” na minha vida. Longe de tudo que era familiar ao meu dia-a-dia, inglês muito, muito básico, posso dizer que não entendia 95% das coisas que me eram ditas...sociedade, cultura, tudo diverso da minha à época, então, habitual rotina, família, amigos, distantes por um continente inteiro. Sentia-me perdida dentro de mim mesma.
 
Eu sempre gostei de atividade física, a vida toda pratiquei algum esporte, mas correr, jamais tinha praticado com dedicação, nem sabia todos os males que correr curava. Duas coisas, então, transformaram a minha vida naquele ano. A primeira foi assistir ao filme Julie & Julia, protagonizado pelas maravilhosas Meryl Streep e Amy Adams. Eu já gostava e cozinhava muito, mas o retrato da vida perdida de Julie lembrava a minha, então comprei, como ela, o livro da Julia Child “Mastering the Art of French Cooking”, criei um álbum na época no Orkut, depois no Facebook e Instagram chamado “I love Cooking” aonde passei a postar fotos dos meus pratos, dos meus testes na cozinha e das receitas que consumiam até 28horas de dedicação.
 
Entretanto, algo ainda apertava meu peito, sentia-me ainda muito ansiosa, por vezes ligava para minha mãe no Brasil via Skype, deitava frente ao computador só para chorar junto a ela. Então a Faculdade onde eu cursava inglês para estrangeiros iria entrar de férias e precisam de pessoas para limpar os dormitórios dos estudantes. Eu me ofereci, precisava estar fora de casa, ter contato com a língua, fazer algo por mim. Como ao meu ver todo trabalho justo é louvável, fui sim fazer faxina. Um outro Brasileiro que estudava na Faculdade e também trabalhava comigo na escola e era jogador de futebol, convidou-me para começar a frequentar a academia pós trabalho e, prontamente pensei, talvez isso que me falte. Fui. Ele tinha uma meta, correr 2 milhas (3.2km) em 12 minutos, pois este era um dos testes realizados no início da temporada de futebol. Quando então, eu decidi correr também.
 
A partir daquele momento, correr transformou-se na “droga” da minha vida. Minha primeira corrida durou 5 minutos, velocidade: 8.5km/hr. Eu fiquei realizada, sorria de orelha a orelha e estava certa de que havia encontrado a cura das minhas dores. A minha vida mudou completamente depois daqueles 5 minutos, da mesma forma que a gente muda, quando os olhos encontram aquela pessoa que o coração procura.
 
Um ano depois, ainda sem orientação, decidi que gostaria de correr uma meia maratona, aumentei demais a demanda do corpo e acabei com uma “stress fracture” horrível no pé direito, meu calcanhar trincou ao ponto de ficar preso em uma pontinha de osso. Isso rendeu-me 11 semanas de muletas, engessada, uma alergia tenebrosa no pé em virtude da resina. Depois, 2 meses de muita fisioterapia, dor, e outros 2 meses para voltar a correr 20 minutos. Neste meio ano, a depressão voltou, não queimava energia suficiente, chorava olhando para meus tênis e ouvindo que talvez longas distâncias não eram para mim. Mais um sonho que parecia escorrer entre meus dedos. Eu lembro disso tudo e ainda choro. Era época de tornados, meu esposo viajando a trabalho de duas em duas semanas, lembro de uma ocasião que a chance era 8/10 de um tornado passar pela cidade e eu só chorava como chegaria ao subsolo em tempo. Ele bateu num campo aberto próximo, mas não nos atingiu, dormi orando aquela noite.
 
Passou. Como tudo na vida, estas tempestades também passaram. Voltei a correr. Da estaca zero ao ponto em que eu já havia chego, agora, orientada por ortopedista, fisioterapeuta, nutricionista. Em um treino pós chuva, porém, fui saltar uma poça d’água, era o km 10.  Resultado foi parcial ruptura do tendão flexor da perna esquerda. Fisioterapia de novo, outros dois meses de dor e sem correr. “Eu não vou desistir, eu vou vencer isso tudo”.
 
Aqui, estávamos em 2013 e, veio a transferência para a Itália e minha meia maratona.... ainda nos planos. Cheguei a Itália e meu pai foi hospitalizado, já havia incontáveis e inomináveis problemas de saúde. Tudo indicava que era grave, eu não podia aceitar tão pouco acreditar. Eu pensei, “Deus, eu vou ficar louca”. E Ele me deu mais força para correr. Inscrevi-me em uma meia maratona dedicada ao meu pai. Dia 16/8 veio o diagnóstico de um câncer gravíssimo, dia 1/9 corri às lagrimas minha primeira meia maratona com uma plaquinha dedicada a ele, comemoramos juntos pelo telefone: “pai, corri para você e essa energia toda vai para sua cura”. Ele chorou, choramos de emoção.
 
 
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Dia 10/9 ele veio a falecer, quando eu estava a um dia do embarque ao Brasil para vê-lo. Eu recebi a notícia madrugada, num quarto de hotel na Alemanha. Eu nunca senti uma dor como aquela. Na manhã seguinte, eu vesti meus tênis, um frio de 5 graus com chuva, corri por 10Km chorando a minha dor. De novo, mais uma vez, a corrida me salvou.
 
Decidi que por ele, eu iria mais longe, eu iria correr uma maratona. Em novembro comecei uma preparação de força e aumento gradual de quilometragem. Em 8 de janeiro iniciei as 16 semanas de treinamento intenso para correr a minha maratona, marcada para 27/4/2014 em Padova (Pádua). Uma maratona tradicional da Itália que percorre o último trajeto caminhado por Santo Antônio antes de sua morte em 1231 D.C.
 
Foram muitos, mas muitos os dias em eu perguntei o que eu estava fazendo comigo, o treinamento da maratona é absurdamente cansativo. Havia dias em que eu sentia-me totalmente sem forças, então, atava os tênis, conversava comigo mesma e com o céu e, corria de novo. Corri muitos dias olhando para o céu, pedindo que meu pai segurasse meus braços para me manter de pé e seguir em frente. Mantinha comigo, toda a dor que ele sentiu lutando pela vida, “eu quero, eu posso, eu vou terminar esse projeto”. Chegava em casa com a alma renovada.
 
Fevereiro, segundo mês de treino intenso, o pior. 19 corridas, 251km percorridos os quais terminei com canelite aguda nas duas pernas e, que me maltratava do momento que eu pisava fora da cama, ao novamente deitar. “Eu não vou desistir, desistir não é opção”. Comprei um outro par de tênis, entrei em uma escola de corrida, passei a fazer mais Pilates, iniciei Yoga para corredores, diminui velocidade e distância, fiz promessa, chorei, gastei quilos de arnica, e segui meu caminho.
 
Devido a inflamação, meu treino mais longo foram 30Km. Todavia, eu firmei meu pensamento que, se eu chegasse nos 30Km e não pudesse correr mais, eu caminharia, mas não pararia, eu terminaria aquela prova. Eu colocaria mais amor, mais coração, eu sabia que não estaria sozinha.
 
A canelite deu uma trégua na semana da maratona. Status: 80%. Eu não reclamei, agradeci a melhora e passei a semana ansiosa planejando meu grande dia. Pensava na corrida, imaginava a linha de chegada e a emoção tomava conta de mim. Por mais que se queira é impossível não deixar a adrenalina tomar conta. Controlei as horas, os minutos. Durante os últimos dez dias, acompanhava a previsão do tempo 10 vezes ao dia, pois marcava chuva para a data.
 
Dia 26 o dia estava lindo, parecia impossível que aquilo iria mudar. Fomos a Padova e a retirada do meu Kit já me arrancou sorrisos e lágrimas. Aquilo tudo era real. Eu havia chego até lá e, agora, já não importava mais, CHOVA, é meu momento, foram quatro meses treinando de 6 a 7 dias por semana, mais de 1000km em treino, horas de musculação... que CHOVA. E, o tempo realmente virou. Dia 27/4 amanheceu nublado, 12 graus. Dormi muito pouco, a ansiedade era demais, conquanto não senti o peso da falta de sono, a felicidade de estar ali, de pensar que em algumas horas eu seria maratonista, era tudo tão intenso que nada tirava meu foco.
 
Chegamos na largada, dei um beijo no meu esposo que é meu tudo, meu grande apoiador, meu companheiro e disse: “nos vemos no km 32 em três horas”. Naquele ponto ele ia entregar um gel extra e uma água de coco.
 
Largamos. Meu Deus, aquele batalhão de pessoas, eu podia ouvir o coração daquelas pessoas, a respiração profunda e ansiosa. Estávamos todos ali por razões distintas, mas unidos por um objetivo comum “vencer nossos limites e concluir os 42.195metros”.
 
Até o Km 21 eu mantive o pace que eu havia planejado, entre 5’30”e 5’45”, cruzei a meia maratona em 1:56’. Antes de completar o km 22 o céu veio a terra, era quase impossível ver a frente de tanta chuva, meu boné manteve meus olhos livres d’água, mas só. Em segundos meu tênis estava encharcado, sentia-os como um par de tijolos a serem arrancados do solo. Foram cerca de 5 Km abaixo de chuva. Meu pace e todos que estavam no mesmo ritmo que o meu caiu muito. Aquele momento bateu-me uma angústia muito grande, eu senti o cansaço, tênis espirrando água. “Iana, parar não é opção”.
 
A chuva passou e mantive o pensamento, agora, foque-se que em poucos quilômetros o Léo aguarda-a, ele vai trazer-te mais energia e você vai concluir a prova. Eu não parei nem para beber água, pegava uma garrafinha e seguia, um gel a cada 8km, no km 21 extras 3 BCAA e vamos embora. Encontrei meu Léo no Km 31 e vê-lo fez toda a diferença, eu não podia desapontá-lo, ele estava ali, meu pai  todo o minuto ao meu lado, tantas pessoas haviam enviado energia, minha mãe, irmãos, meu irmão fez uma play especial para a ocasião, minha irmã passou dizendo “você já é uma vencedora”, meus amigos motivando. “Iana, daqui em diante são apenas 11km, a corrida começou agora, vai”.
 
Por volta do Km 33 o mundo desabou novamente, era muita água. A umidade a 100% minhas mãos incharam de uma forma que eu não conseguia dobrar os dedos. Então eu orei, a cada quilometro eu orei, eu pedi por forças, eu pedi perdão por tudo que deixei de fazer ou não fiz bem, eu ergui meus braços aos céus e supliquei:” Pai, me carrega, eu não sinto mais as minhas pernas”. E as forças vieram. A chuva passou, uma subida constante de mais de 2km chegou também, eu estava tão molhada que meu número soltou.... e eu fui.
 
Quando eu cheguei ao centro, por mais que eu queira eu acho que eu nunca terei palavras para dizer o que senti, eu estava há metros de superar um dos maiores desafios da minha vida. Meu GPS bateu 42.195 metros e cadê a linha de chegada? Risos. Estava ainda há 350 metros a frente, pois estava localizada bem ao centro da Piazza. Eu não sei explicar, mas eu cruzei a linha de chegada a uma velocidade de 5’22”por quilômetro. Eu acho que já era o desespero tomando conta.
 
Amigos, quando eu cruzei a linha de chegada eu gritei engasgada, a minha vida inteira passou como um flash frente aos meus olhos, meu choro gaguejava, como agora, enquanto divido minha vida com vocês. Eu agarrei aquela medalha que não me deu pódio, ela me deu mais do que qualquer pódio me daria, ela me deu força, ela me deu coragem, ela provou que eu posso, ela me aproximou do meu Pai mesmo em planos distintos, ela me fez melhor, ela me transformou. Então eu vi meu esposo e aquele abraço foi meu troféu.
 
Em 42km você revê a sua vida inteira, você discute a sua vida, você planeja, você canta, você sofre, você dança, você sorri, você chora, VOCÊ VIVE. Eu vivi cada minuto.
 
Completei a maratona em 4:10:03, um pouco além do que planejei, estou triste? De forma alguma! Estou completamente realizada. Mantive comigo: corra, se não puder mais correr, caminhe, se não puder mais caminhar, rasteje, mas não desista.” E isso guiou-me a CORRER ininterruptamente 42Km. Cada um faz seu tempo, porém o mais importante de tudo isso é a história que isso faz na sua vida. Como qualquer outro dia, este começou e terminou, não obstante, quando terminou eu era outra pessoa, uma nova pessoa, uma pessoa melhor e, agora, MARATONISTA.
 
Dediquei esta conquista ao meu Pai e a todas as pessoas que como ele sofreram e sofrem dores sorrindo. Sofrem dores que não podem controlar por apenas mais um dia de vida. Corri pela vida, corri por mim mesma, corri para destruir medos, superar limites, corri em busca dessa nova pessoa, mais forte, mais determinada que eu quero ser a cada novo dia.
 
Corri e correrei enquanto eu respirar. Correr não mudou a minha, mas sim SALVOU-ME DE MIM MESMA, ALIMENTA MINHA SANIDADE, DEU-ME UMA NOVA VIDA.
 
Quando é a próxima maratona? Ainda este ano, entre outubro e novembro.
 
Não é fácil. Vale a pena? Vale tudo. Sem dúvidas uma das maiores experiências de libertação que uma pessoa pode viver.
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Um grande abraço a todos."
 
Iana
@ianaknak
 
Correndo na Europa
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@correndonaeuropa

 
 

 
 
 
 

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